12 de agosto de 2011

À espera da redenção




As palavras não me vêm mais com a mesma veemência que outrora. Me viram as costas por tê-las renegado por tanto tempo. Imperiosas, não perdoam meu súbito abandono. Em vão tento explicar que por vezes a distância se faz necessária. Que minha devoção a elas permanece intacta. Em vão. Me deixam de lado e me excluem dos antigos círculos em que juntas, tantas vez, nos foi oportunizado o libertar das almas. E enquanto se faz sina, permaneço à espera de seu perdão. Crendo que serei em breve redimida. Para que juntas, possamos retomar nossa estrada, para além de onde paramos.


Naiana Carvalho





‎"A pá lavra

no íntimo território das sílabas
a necessária colheita."



Ronaldo Cigano



29 de abril de 2011

Alice e sua reticência

Ilustração de Núria Aparicio



Parecia mesmo que seu peito iria explodir. Não. Aquilo não podia ser normal.  A angústia era tão grande e aos outros tão sem propósito... Alice não conseguia explicar a ninguém o que realmente sentia. 
Os conselhos, ao tentar falar-lhes sobre as sombras que lhe anuviavam a mente, eram sempre os mesmos. Conselhos que lhe sugeriam o seguir em frente e esforçar-se um pouco mais. Mal eles sabiam que não haviam mais forças. A sensação era a de que todos os recursos viam-se esgotados e a única saída eficiente era inacessível.
Quando se sentia assim, a única imagem de si que lhe via à mente era de um animal doméstico cruelmente abandonado em terras inóspitas. A vida não lhe parecia real. Nada era o que parecia ser. Fraude. Ela era uma fraude. A vida não devia ser aquilo. Não podia ser apenas aquilo. O que para os demais era corriqueiro, para Alice não fazia o menor sentido. A vida tinha que ser mais.
Em alguns momentos chegava até mesmo a imaginar-se especial, dotada de uma sensibilidade extraordinária, com uma capacidade de percepção além do normal. Em outros, via o quão ridículo era julgar-se superior por sujeitar-se ao que seriam “meras oscilações de humor”. Ah, os hormônios. Malditos sejam, não é mesmo?
Enquanto isso, Alice chorava calada. Afinal, qualquer estardalhaço a respeito de toda essa enxurrada de sensações que lhe invadiam poderia ser encarada como uma grave e urgente necessidade de interferência terapêutica, e isto era tudo o que ela não precisava: alguém para tentar mostrar-lhe soluções para um problema que na verdade encontrava-se muito mais na categoria de, ao seu ver, característica.
A idéia de ser como um pequeno passarinho de asas curtas lhe invadia.
Se fosse um pássaro, seria um pardal, certamente.
Ela sempre preferiu os pardais. Discretamente pousando sobre os fios de alta tensão, dificilmente notados, sem belos cantos e sem apreciadores dispostos a pagar por uma foto sua a adornar-lhe o ombro.
Alice certamente seria um pardal.
Haveriam outros como ela?
Sim. Quem sabe até milhares por aí. Mas isto não a deixava feliz, pelo contrario. O sofrimento que sentia em não conseguir expressar-se do modo como sua alma lhe exigia não era merecido por ninguém. A dor na alma pode ser lancinante e, mesmo nunca tendo quebrado um osso sequer, ela era capaz de jurar que o que sentia era mil vezes pior do que qualquer fratura exposta. O processo de cicatrização de feridas na alma não segue o mesmo padrão das estomias físicas. Alice sabia que não havia nenhum tipo de procedimento ou intervenção médica que aliviasse aquela falta de ar causada pelas ideias que não lhe deixavam dormir.
As obrigações sociais e a necessidade de responder às expectativas era algo que tirava Alice de seu eixo. Não, definitivamente ela não fazia parte dos que lutam no front de batalha.
Tinha suas próprias ideias e ideais. Não precisava que ninguém partilhasse deles consigo – ou pelo menos assim pensava ser – eram seus e isso lhe bastava. Mas a verdade é que ultimamente nem ela mesma sabia ao certo quais eram. 
E quanto mais parava para tentar entender tudo o que se passava em sua mente inquieta mais ridícula se sentia ao perceber que a cada ponto final que julgava pôr, dois outros pontos rapidamente surgiam, fazendo nascer mais uma das transgressoras reticências, que já se acumulavam dentro de si.
E entre tantas reticências... mantinha-se em angustiosa reticência.
...


Naiana Carvalho

27 de abril de 2011

O Salto


Ilustração de Alessandro Gottardo


                                                       Vai dizer que você nunca se viu assim?


 Num trampolim...

...prestes a projetar-se para um salto
                                   O Salto!

Mas qual será o mais adequado?

Há os práticos, que o preferem de frente...
                                   outros – às cegas – de costas      
mais ousados, optam pelo em giro...
                       determinados, de ponta cabeça,
                                  e ainda aqueles que – elegantes – mergulhem de pé!

Cada salto compreendendo uma série de habilidades.

Mas para qualquer que seja a forma escolhida, sempre se fará preciso...

força e flexibilidade
 audácia,
               coragem,
                              perseverança,
e concentração

E sempre se fará necessário observar a integridade do trampolim do qual se pretende mergulhar...
...aliás...



"Nunca salte de um trampolim quebrado." 
                                   William Shakespeare






Naiana Carvalho
                                                                                       

26 de abril de 2011

Eu que fiz!



Um dia você acorda diferente.
As mãos aceleram
                          e as ideias acompanham...


A hora da criatividade é a do seu surgimento!


E de repente, você tem algo seu
                          (por mais singelo que possa ser)
                                            para olhar
                                                e dizer feliz...
eu que fiz! ;)

19 de abril de 2011

"Aude"


Curiosità: todos os seres humanos nascem com o desejo de aprender.
Leonardo da Vinci

Sabemos, sobre quase tudo, quase nada.

Favor, não confundir informação com conhecimento!

Diria Leoni:
                     Temos pressa e tanta coisa nos interessa, mas nada tanto assim.

Nada interessa ao ponto do aprofundar-se
Nada interessa ao ponto de um investimento substancial
Nada interessa ao ponto de ousarmos em sua essência

Sapere aude!

Mas, tacocráticos, temos pressa
Tudo, ao mesmo tempo, e agora!
Não há tempo, sobrando, para parar,
                                    pensar,
                                           refletir...
Vinte e quatro horas não nos bastam

A poética sede
                    desejo insaciável
de Álvaro de Campo
“Dá-me lírios, lírios, e rosas também. Dá-me rosas, rosas, e lírios também. Crisântemos, dálias, violetas, e os girassóis acima de todas as flores. Dá-me às mancheias, por cima da alma, dá-me rosas, rosas, e lírios também. Mas por mais rosas e lírios que me dês, eu nunca acharei que a vida é bastante. Faltar-me-á sempre qualquer coisa, sobrar-me-á sempre o que desejar.”
e Adélia Prado
“Não quero faca nem queijo. Quero a fome.”

torna-se pura vaidade
Fome insana sem nobres propósitos

E assim, todos os dias, lotam-se baús com toda sorte de informações sobre qualquer espécie de assunto
                                          para esvaziá-los logo na manhã seguinte
Afinal, notícia boa é notícia fresca!
E se faz preciso ser o primeiro a detê-la.

- O que?! Você não sabia disso?
- Ah! Mas isso foi ontem!

Saber mais mais e mais...
                              sem critério ou seleção
Acúmulo insensato.
Simplesmente saber!
                      mas saber o que?
                                          Por que
                                                  e pra que?

Afinal, o que você realmente procura?
O que verdadeiramente lhe instiga?
E com tudo isso...onde você pretende chegar?

Se "para quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve" é melhor tomar cuidado com  qual caminho lhe está a servir.

Sapere aude!



Naiana Carvalho


15 de abril de 2011

A espera.



Na janela.
Já era costume.
Buscava a mais confortável posição, alinhava o cotovelo na janela e, sobre a mão, repousava o queixo cansado.

Já há tantos anos repetia aquele mesmo ritual que chegava mesmo a esquecer, em dias mais nublados, o que estava a esperar.

Não tinha tempo para aventuras, 
                                     música ou poesias.
Não tinha tempo para conversas,
                              amores ou quaisquer venturas.

Precisava estar ali. 

À espera. 
À espreita. 

Não podia arriscar saindo de seu posto.  
E sonhava: Um dia ela chegaria.

Esperava a Vida. 
A Inspiração.
Esperava seu momento de brilhar chegar.

Desde criança ouvira que a Vida era bela, cheia de encantos e surpresas.
Sim! Valeria a pena esperar.
E enquanto esperava, fazia planos. Construindo frágeis castelos.
                                                                             
                                                                Sozinha.

Certos dias angustiava-se com a demora questionando se, por acaso, não haveria a Vida esquecido o encontro já marcado.
Mas mantinha-se firme.
Sempre ali.

À espera. 
À espreita.

Sempre sozinha.
Estava a guardar o melhor de si para a Vida.

E insistia engando-se a dizer para si: 


Sim! 
Valerá a pena esperar.





Naiana Carvalho

8 de abril de 2011

Por isso sou levada, e vou...


                                                                                                           Ilustração de Daniel Lieske


Cartola, poetinha amigo que sabia das coisas, alertou:
presta atenção... o Mundo é um Moinho...

No entanto, apesar do teórico conhecimento dos riscos, e do calhamaço de conselhos registrados
Em certo momento da vida, este nos chama
E o coração pulsa forte, 
                               a alma treme 
                                          e os pés voltam-se ligeiros em sua direção.

É preciso ir.

O Mundo chama para seu esplendor
e
para sua guerra
- com seus louros e baixas
               
Exigindo de nós entrega 
                                       sem mapas.

Quando o chamado urge não há o que fazer.

Não há espaço para muita bagagem
- prevê-se que o caminho será longo e um peso extremo poderá ser um entrave
Nem tampouco tempo para o preparo de roteiros
E mesmo apesar do prévio conhecimento de armadilhas possíveis
- e da existência de saqueadores pela estrada
Uma armadura seria inútil
- certamente esta dificultaria passos largos e grandes saltos.
                                 talvez, quem sabe, um espadim?

Mas não importa.

O silêncio que se fazia necessário para ouvi-lo a sussurrar não é mais necessário.
O chamado já pode ser ouvido ao longe.

Os medos não calaram
                              - mas não podem mais ser ouvidos.

Ao contrário do que muitos acreditam, porém, não é chegada a hora da ruptura
Mas da superação.

É o momento do “para além de”.
Partir em busca da concretude de si
Desvelar os mistérios só apresentados aos que não se negaram
Oportunizar às ideias uma existência real
Dividir seu mundo para, destarte, ampliá-lo
Conhecer  novas fragrâncias, cores, sabores
                                                                               jeitos e gestos
Arriscar!

Ser “para além de” si.

Então, quando ouvir o chamado do Mundo
Arme-se com seus mais preciosos valores
               - eles serão necessários, acredite
Mantenha o foco
Não se esqueça de pôr na mochila um bom estojo de primeiros socorros

E siga.




P.S. Mas preste atenção... que o Mundo é um Moinho!



Naiana Carvalho

28 de março de 2011

Aos crédulos... Mansardas

                                                                                                                                                                              Imagem de Carlos Manuel Santos

A palavra não deveria bastar?

Queria mesmo ter vivido naquela áurea época em que um aperto de mão e um fio do bigode se faziam necessários para selar quaisquer contratos.

Duas vias registradas e autenticadas em cartório.

Nem nos olhos podemos mais acreditar
                                    - Ao menos em muitos deles.

Lembro de ouvir que “os olhos são as janelas da alma”
Será que a máxima ainda se aplica?
Só posso constatar que há pessoas feitas apenas por paredes.
                                  - Sem portas
                                                - Sem janelas
                                                             E a alma?
Enclausurada, sem possibilidade de passagem de luz, anuvia-se de tal modo que murcha
Não mais frutifica
Insípida
Perde a conexão com o coração.
Lágrimas tornam-se apenas lágrimas
                                 - artimanha para convencer
Palavras tornam-se vãs
                   Não há mais verdade
E só há o que lamentar.

Queria mesmo ter vivido naquela áurea época em que um aperto de mão e um fio do bigode se faziam necessários para selar quaisquer contratos.

Crer nas palavras
                                  Nas janelas ainda abertas
Deixar a luz entrar
                                  Amando cada frestas
Quarando o coração ao sol

Porque para mim... faz-se preciso acreditar.






Naiana Carvalho


22 de março de 2011

Mas nunca é possível fartar uma alma...



Não era tão fácil quanto parecia ser.

Era tanto que não sabia por onde começar.

Paralisava.

Por mais que tentasse, olhos e ouvidos não se fartavam.

Queriam mais.

A alma gritava. Clamava. Usava de tudo que estava ao alcance dos sentidos na vã tentativa de expressar-se.

Vã.

Não havia palavras para exprimir. E esta ausência lhe apertava o peito.

Não era tristeza.

Era um querer maior. Inexplicável.  Angustiosamente inebriante.

Corpo e sentido dissociavam-se num querer incontido.

Enquanto o corpo emudecia, os sentidos se viam mais despertos e sensíveis do que nunca.

Mas insistia.

Forçava a mente na tentativa de ordenar sentenças. Fazer-se entender. Esperançosa que isto aplacaria o tal desassossego.

Mas nunca é possível fartar uma alma.

Aos poucos entendia.

Era preciso aceitar.





Naiana Carvalho

21 de março de 2011

Saudade...


“ – Nunca aconteceu a você de querer desenhar ou construir alguma coisa e não conseguir fazer isso direito? 
Você tenta mais uma vez, tenta outras vezes, mas nunca dá certo. 
Isso se explica pelo fato de que a imagem que você tem do que quer fazer sempre é incomparavelmente superior às cópias a que você tenta dar forma com as mãos. 
E o mesmo ocorre com tudo o que vemos à nossa volta. Trazemos dentro de nós a noção de que tudo o que vemos à nossa volta poderia ser melhor do que é. 
E sabe por que fazemos isso (...)? Porque trazemos em nós todas as imagens do mundo das ideias. É lá a nossa verdadeira morada. E não aqui embaixo, no meio da areia, onde o tempo apanha e devora tudo o que amamos.”

Jostein Gaarder “O dia do Curinga”



E assim, nada lhe era bom o bastante.

Era invadida constantemente por uma saudade-vontade de um ‘indescritível inefável’.
Como explicar?

Chegava mesmo a, por vezes, acreditar estar perdendo a tão estimada sanidade. Um medo que lhe era estranhamente peculiar.

Pensava se todos eram assim. Quase sempre cria que não.

Para ela, estava claro que aquele não era seu lugar original.
Nem por isto vivia alheia ao que lhe cercava. Encontrava-se vez ou outra em olhos distantes de outrens. Confortava-se num quase imperceptível chilrear.

Queria mais e, ao mesmo tempo, apenas o necessário.

Explicar esta lógica aos que lhe eram próximos, no entanto, era uma tarefa demasiadamente exaustiva. Não sabia ao certo se não queriam ou se, simplesmente, não conseguiam entender o que lhe inquietava o coração. E com isso não conseguia distinguir o que realmente sentia a respeito.

Às vezes, era subitamente arrebatada ao seu mundo. A música era sua aliada quando a alma sentia falta do ninho. Alguns acordes faziam-na tremer.

E vivia.

A sentir o que lhe fora dado a sentir.

Com a alma sedenta e os olhos marejados de saudade.






Naiana Carvalho



16 de março de 2011

Apenas palavras. Apenas?



“Escrever é fácil. Você começa com maiúscula e termina com ponto.
No meio coloca as ideias.”
Pablo Neruda


Tá bom, Neruda, mas a questão é: e como organizar tantas ideias?

Para se escrever é preciso esmero.
Tratar bem as palavras, fundamental. Qualquer deslize, ausência ou exagero, pode corromper todo o sentido a que se propunha.
Neste jogo, a ordem dos fatores pode alterar completamente o produto.

Dentro de mim, ideias. Mundo difuso.
Confuso.
Sempre é confuso enquanto não ganha corpo. No caso, enquanto a ideia não se torna palavra. Enquanto o pensamento não se verbaliza ou é transcrito em signos.

Sobre o que escrever? Acordo borbulhante de ideias, mas elas me fogem.
                                     – “Opa! Esta é boa, preciso apanhá-la!”


Hoje acordei com uma série de ideias pairando sobre a minha cabeça. Puxaram meu lençol, fizeram uma algazarra dentro de mim. Algumas, mais agitadas, desordeiramente me saiam do controle em sentenças mal estruturadas. Outras, tímidas, mas não menos valorosas, educadamente erguiam a mão à espera de serem notadas, num breve movimento, mas cega pela visão, acabei por não percebê-las, e fugiram.
Constato: é difícil trabalhar com tantas ideias, tão divergentes entre si, ao mesmo tempo. Ainda mais quando são estas de caráter tão livre... não respeitam ordem de chegada, tampouco filas ou senhas. Domá-las é um desafio. Estarei pronta?

Acho que por isso muitos fogem das ideias. Afinal, são desordeiras e quase nunca passivas. Rubem Alves, um de meus escritores preferidos, fala muito sobre a alegria de pensar, mas confesso que nem sempre pensar me alegra.
Instiga.
Isto sim.
Sempre!
Tenho outras teorias acerca dos “não pensantes”. Uma delas: a cegueira.
Esbarram, tropeçam nelas, a todo momento – afinal, estão por toda parte – têm até ninhos em seus ombros e cabeças, mas não as percebem, não lhes sentem o cheiro nem a presença.
Estão dormentes.
Ou quem sabe, encantados.
Melhor dizendo, estão desencantados.

Encantar-se. Tem nos faltado o encanto.
Encantar-se com o comum. Afinal, quem determinou ser algo comum ou não? Ser comum ou não depende de onde e em que contexto algo está.

É preciso limpar melhor nossos olhos.
É, talvez seja mesmo culpa da correria da vida. Acordamos tão cedo e já atrasados.
Então saímos por aí, completa ou parcialmente às cegas. É neste instante que tudo começa, ou, é exatamente neste ponto que tudo deixa de acontecer.



Naiana Carvalho


por Liniers - Macanudo

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