29 de fevereiro de 2012

Um luxo radioso de sensações


Ilustração de Lieserl.



"... sentia um acréscimo de estima por si mesma, 
e parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante, 
onde cada hora tinha o seu encanto diferente, 
cada passo condizia a um êxtase, 
e a alma se cobria de um luxo radioso de sensações!"

Eça de Queiroz



Brincava com as palavras.
Tecia rimas. Falava em métricas.
Mergulhava em si. em lá. em dó.

E a leitura lhe soava re-encontro.

Era estranho ver-se acordada e com isto satisfazer-se quando por tanto tempo o que mais almejou foi o sonhar.
O idílio. O porvir. O partir.

De olhos absortos mal cria no espetáculo que despontava a sua frente.
Diariamente.
Era a chuva. Areia e mar. O novo acorde. A velha esquina de muros coloridos.
Tudo ali. Para si. A fim de tornar-lhe a existência real.
Deliciosamente banal.

Os sentidos, aguçados, captavam cada instante, na tentativa - mesmo sabida vã - de dourar seus momento com as cores da eternidade.  Era-lhe doloroso racionalizar que tudo o que sentia seria a pouco resumido como mais um momento sobre o sol. Assim, fechava os olhos, Num ingênuo esforço de gravar em si aquela enxurrada de saborosas sensações.
No entanto, apesar da dor, não mais sofria. Passava a compreender que a beleza dos instantes encontra-se justamente na efemeridade.
E sorria de si.
E era grata pelo que lhe fora dado sentir.
Coberta "de um luxo radioso de sensações!"


Sobejava o que antes era ausência.
E da agonia fez-se acalanto.
De macambúzio a ditirâmbico.

Naiana Carvalho





"Congela o tempo pr'eu ficar devagarinho
com as coisas que eu gosto
e que eu sei que são efêmeras
e que passam perecíveis
que acabam, se despedem,
mas eu nunca me esqueço."

Tulipa Ruiz





27 de fevereiro de 2012

A correr atrás do vento...


"O tempo que eu hei sonhado
Quantos anos foi de vida!
Ah, quanto do meu passado
Foi só a vida mentida
De um futuro imaginado!



Aqui à beira do rio
Sossego sem ter razão.
Este seu correr vazio
Figura, anônimo e frio,
A vida vivida em vão. [...]"


Fernando Pessoa




O tempo
Ido
Perdido
Colhido
Tolhido


Passou despercebido e hoje exige
Postura
Cultura
Mesura


Mas não há volta
E ele urge
Ressurge
Na expectativa de ser


Inflama o peito
Inunda a vida


À garganta seca
A sensação de nunca satisfeita


Não adianta correr
Mas não há outra coisa a se fazer


O desejo consome
À fome delira
O peito taquicárdico
A ideia vagueia
Tempo que se perde no vento


Calma, tempo...


"fique comigo...seja legal"



Naiana Carvalho



14 de fevereiro de 2012

A esperança de ser além...

*Ilustração de Alessandro Gottardo 


A saudade do que não foi. A vontade do não.
Querer ir mais longe,
mas o caminho,
                       mutante,
           prega peças
e, num labirinto,
o temor.
Não haveriam migalhas o suficiente para marcar seus passos. Melhor ficar.


Mas ficando lhe falta exatamente o perder-se.
O que, verdadeiramente, no fundo, se quer.
E fica. E sofre. E foge!
mas não vai longe...
E volta.
Sonhando com mundos... Traçando mapas...
Vivendo num eterno gerúndio
Para enfim,
findar em si
Na esperança de ser além.



Naiana Carvalho

                                                                                                                                                            
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