29 de outubro de 2012

Habitual

Ilustração de Weberson Santiago



O além
O desdém
O aqui
O aquém
O porvir
O porém
O devir
E o amém

O hálito do hábito
O porvir e o porém
O ponteiro, o compasso
O valor e o vintém
Num espaço esparso
O devir e o desdém

Ante, até, após
Ali e além
Rogai por nós
Aqui ou aquém
Abençoada seja a habitual sucessão
Amém



Naiana Carvalho



21 de outubro de 2012

O fim das coisas. O capítulo um.

Ilustração de Denis Zilber



O fim da noite é o dia
Do amor ferido, solidão
Do bom momento, nostalgia
Pelo vivido, a gratidão
Nem todo som é melodia
Nem toda letra vira canção

O fim do querer, nem sempre se concretiza
No que se cria, às vezes, decepção
O fim das coisas pode ser recomeço
Para o primeiro passo, o empurrão
Pra quase tudo existe preço
Finalidade, intento, remissão

O fim pode ser limite
Dos dinossauros, extinção
Onde tudo se finda
E principia a expansão
O fim pode ser propósito
Alvo ou deliberação

Cercado de lamentos e esperança
Ao fim de um ano, celebração
O fim principia ciclos
De uma vida, a redenção
Nem sempre ao que se chama fim
Corresponde uma conclusão

O fim do casulo é borboleta
Da arte, exposição
No fim da vida, a gentileza
No fim da tarde, contemplação
O fim justifica o meio
Mas para o meio não há perdão



Naiana Carvalho





20 de outubro de 2012

Projeção

Ilustração de Alessandro Gottardo




Porque solidão, casa
Porque dúvida, remo
Porque sonho, asa
Porque desejo, pleno

Vendo areia, castelo
À nuvem, dragão
No anseio, modelo
Por real, ficção

Mesmo o querer satisfeito não supre a inebriante fantasia






Naiana Carvalho



18 de outubro de 2012

Desencontro casual



Ilustração de Barbara Brun




o amor, desleixado,
passou debaixo da sacada
da menina que pensava que o céu tinha cor.
ela, que ia distante
na nuvem distraída,
queixava-se doída
do amor que não chegou.




Naiana Carvalho




"pobre menina.
não tem ninguém."





17 de outubro de 2012

As sem razões de um benquerer

Ilustração de Denis Zilber



Puro artifício de um olhar descuidoso, benquerença não pressupõe, do dileto, um valor encaixado em padrões, tornando-se benquisto à estima que lhe prezam por estranhas sem razões. 
Faz-se valoroso no caminho, e é pelo gosto e pela estima, que o benquerido se atina, toma prumo - ou, por conta da certeza do apego, vendo-se em seguro aconchego, de súbito, de vez, alucina. 
De natureza desconhecida, aquele benquerer instala-se num instante. Vem a calhar sem premeditação. Faz da ideia antiga, desejo infante. E de todo benfazer, vocação.
Agrada-se de pouco e num sorriso pequeno, encontra para si o nítido contentamento. Tem-se apreço, respeito, alto conceito pelo eleito.
E não há preço que pague, sentimento que compare.
Despropósito que faz valer manhãs de segunda. Tudo aquilo que ao coração inunda.




Naiana Carvalho



9 de outubro de 2012

Contentamento

Ilustração de André Rodrigues




O potencial da felicidade
Do que depende a satisfação?
Permeia a essência do objeto
Mas fundamenta-se em projeção
Um poder nato de fazer feliz?
Enganosa suposição
Pois é de como se escolhe olhar
Que depende a realização
A alegria de estar suspenso
Em suave agitação
Para quem senta ao balanço
Não necessita justificação
=]

Naiana Carvalho




"Me leve com seu jeito leve
Me pese com seu jeito prosa"
Marcela Bellas



8 de outubro de 2012

Uma questão trivial




Tudo bem?

                                               Na resposta, constrangimento
Quando o outro identifica no distante
                                  O abismo  - em si -  perene
          
                                   O clássico artifício para fugir do incômodo silêncio
Necessário como regra de sociabilidade
Pressupõe respostas previsíveis 
Assim esperadas com naturalidade
Um sorriso descolorido
Qualquer coisa sem verdade

A pergunta não deveria ter sido respondida
Por que tão sincero?
Impassível, a resposta não é o que espero 

Palavras se perdem num calhamaço de assuntos desconexos
A velha observação temporal
Inevitável desconforto [quem dera fatal]

Necessidade de enfrentamento
Arcar com consequências
Ouvir compassivo
Prestar devidas condolências

Mostrar que se importa
Que faz sentido
Para poder livrar-se daquilo
Tão logo se faça possível 



Naiana Carvalho



7 de outubro de 2012

O outro

Ilustração de  Alan Carline



Não houve reciprocidade na troca de olhar, o que fomentou a paixão. Encarava-o ali, entre tantos, e displicentemente tomou-o à mão. Já o via seu. E julgava estar escrito. Era mais uma daquelas inexplicáveis atrações que lhe ocorria. Não era a primeira vez. Sequer seria a última. Percebia que diante de si, mais um caso furtivo nascia. Seduzida.
O convencimento do outro para a concretização daquele flerte não era necessário. Ele estava ali, e apesar de sua mudez, era notório que havia muito dentro de si à espera da revelação. Mas não mostrava-se facilmente. O que tornava o desejo por sua posse algo ainda mais arrebatador. Desvelar. Do querer ao precisar. Possuir versus conquistar.
Mas não. Ali não. 
Aquele encontro não marcado, já agora necessário, inspirava um outro cenário. Inspirava madrugada e mar. Um deleite em lenta solidão a dois. Para se fazer valer, comungar da reclusão. Íntima comunhão. Para tanto não pediu consentimento. Dispensadas as juras eternas, fê-lo seu e, da mesma forma como viu-se tomada, tomando-o para si, aconteceu. Dando o devido cabimento àquele súbito desejo voraz, permitiram-se amantes; sendo felizes até que findassem as páginas daquele fugaz romance.
Segredos desvelados, nuances aplainadas, esperado, o incontido querer feneceu. E assim, em pleno verão, o que antes era fogo, arrefeceu.


Naiana Carvalho


5 de outubro de 2012

Insone


Ilustração de Jonas Gomes 



Falta o ar, a cor, o aroma, o frescor
                                 Inspira o seco que arde a mente
                                                                                                              Pés ausentes

               Querer aflito 
                                  Espasmos, tiques, insônia
Olhos cinzento embriagados de noite
                                                                                    Sem tônica
                                                     Preâmbulo dissonante

Vendo o sol nascer calado
            Um mudo enfático
                        Estranhamento escuro
                                    De raios débeis dissipados no ar.





Naiana Carvalho





4 de outubro de 2012

Trinta segundos de eternidade


Ilustração de André Rodrigues





Limítrofe concentração
Tudo lhe atrai
Num espaço, vão
Um lápis que cai
Nova distração 
Avante vai.


Relógio redemoinho
Cabeça em desalinho
Espaço torvelinho

Tempo? Devagarinho.


Ausente
De olhos fixos no que deveria
Enquanto a ideia insolente
Vagueia por outras vias

Obediente 
Balança a cabeça em concordância
E espera resiliente
Qualquer rasa culminância 


[Deus, que aula chata.]


Naiana Carvalho






"Sabe esses dias em que horas dizem nada?
[...]
Tédio, esse é o meu drama
O que corrói é o tédio
Um dia, eu fico sério
Me atiro deste prédio."

Biquíni Cavadão




3 de outubro de 2012

Serotonina

Ilustração de Alessandro Gottardo

De lisérgico a letárgico
Frágil balaustre
De querer tântrico
A anônimo ilustre

Divergente, pois igual
Em lânguida excitação
Da vida-ritual
Necessária expansão

Atinava na aurora
Para algo além
Do que cessara outrora
De sua vida-amém

Considerando em seu ser
Existências incongruentes
Contestava tanto querer
Amiúde combatente

Pendia, oscilava
Recorria aos guias
Mas justamente quando se achava
Era então que se perdia


Numa índole labiríntica.
Naiana Carvalho






"Será que sou eu na minha carteira de identidade?
Será que sou eu que ando no meu corpo pela cidade?
Será que sou eu que morro de rir da felicidade?
Ou será que sou eu que minto pra dizer a verdade?"

Moska




2 de outubro de 2012

Arrisco em risco


Ilustração de Alessandro Gottardo



A raiva contida

Coração em sobressalto
Os motivos lhe faltavam mas o sentir era genuíno
Implodia incapaz

Atado a si o rastro
Medonho... Ferrenho... Voraz
Essência que lhe era
Ferrolho
Sina

Rangia os dentes e queria
Ardia o desejo do não
Mas invariavelmente negava apenas a si
Distanciava o querer por julgado inconsistente

Fingia

E ao ficar, fugia

Esgueirando-se por ruelas indevidas.


Naiana Carvalho




"Minha cabeça de noite batendo panelas
Provavelmente não deixa a cidade dormir"
Chico


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