28 de março de 2011

Aos crédulos... Mansardas

                                                                                                                                                                              Imagem de Carlos Manuel Santos

A palavra não deveria bastar?

Queria mesmo ter vivido naquela áurea época em que um aperto de mão e um fio do bigode se faziam necessários para selar quaisquer contratos.

Duas vias registradas e autenticadas em cartório.

Nem nos olhos podemos mais acreditar
                                    - Ao menos em muitos deles.

Lembro de ouvir que “os olhos são as janelas da alma”
Será que a máxima ainda se aplica?
Só posso constatar que há pessoas feitas apenas por paredes.
                                  - Sem portas
                                                - Sem janelas
                                                             E a alma?
Enclausurada, sem possibilidade de passagem de luz, anuvia-se de tal modo que murcha
Não mais frutifica
Insípida
Perde a conexão com o coração.
Lágrimas tornam-se apenas lágrimas
                                 - artimanha para convencer
Palavras tornam-se vãs
                   Não há mais verdade
E só há o que lamentar.

Queria mesmo ter vivido naquela áurea época em que um aperto de mão e um fio do bigode se faziam necessários para selar quaisquer contratos.

Crer nas palavras
                                  Nas janelas ainda abertas
Deixar a luz entrar
                                  Amando cada frestas
Quarando o coração ao sol

Porque para mim... faz-se preciso acreditar.






Naiana Carvalho


22 de março de 2011

Mas nunca é possível fartar uma alma...



Não era tão fácil quanto parecia ser.

Era tanto que não sabia por onde começar.

Paralisava.

Por mais que tentasse, olhos e ouvidos não se fartavam.

Queriam mais.

A alma gritava. Clamava. Usava de tudo que estava ao alcance dos sentidos na vã tentativa de expressar-se.

Vã.

Não havia palavras para exprimir. E esta ausência lhe apertava o peito.

Não era tristeza.

Era um querer maior. Inexplicável.  Angustiosamente inebriante.

Corpo e sentido dissociavam-se num querer incontido.

Enquanto o corpo emudecia, os sentidos se viam mais despertos e sensíveis do que nunca.

Mas insistia.

Forçava a mente na tentativa de ordenar sentenças. Fazer-se entender. Esperançosa que isto aplacaria o tal desassossego.

Mas nunca é possível fartar uma alma.

Aos poucos entendia.

Era preciso aceitar.





Naiana Carvalho

21 de março de 2011

Saudade...


“ – Nunca aconteceu a você de querer desenhar ou construir alguma coisa e não conseguir fazer isso direito? 
Você tenta mais uma vez, tenta outras vezes, mas nunca dá certo. 
Isso se explica pelo fato de que a imagem que você tem do que quer fazer sempre é incomparavelmente superior às cópias a que você tenta dar forma com as mãos. 
E o mesmo ocorre com tudo o que vemos à nossa volta. Trazemos dentro de nós a noção de que tudo o que vemos à nossa volta poderia ser melhor do que é. 
E sabe por que fazemos isso (...)? Porque trazemos em nós todas as imagens do mundo das ideias. É lá a nossa verdadeira morada. E não aqui embaixo, no meio da areia, onde o tempo apanha e devora tudo o que amamos.”

Jostein Gaarder “O dia do Curinga”



E assim, nada lhe era bom o bastante.

Era invadida constantemente por uma saudade-vontade de um ‘indescritível inefável’.
Como explicar?

Chegava mesmo a, por vezes, acreditar estar perdendo a tão estimada sanidade. Um medo que lhe era estranhamente peculiar.

Pensava se todos eram assim. Quase sempre cria que não.

Para ela, estava claro que aquele não era seu lugar original.
Nem por isto vivia alheia ao que lhe cercava. Encontrava-se vez ou outra em olhos distantes de outrens. Confortava-se num quase imperceptível chilrear.

Queria mais e, ao mesmo tempo, apenas o necessário.

Explicar esta lógica aos que lhe eram próximos, no entanto, era uma tarefa demasiadamente exaustiva. Não sabia ao certo se não queriam ou se, simplesmente, não conseguiam entender o que lhe inquietava o coração. E com isso não conseguia distinguir o que realmente sentia a respeito.

Às vezes, era subitamente arrebatada ao seu mundo. A música era sua aliada quando a alma sentia falta do ninho. Alguns acordes faziam-na tremer.

E vivia.

A sentir o que lhe fora dado a sentir.

Com a alma sedenta e os olhos marejados de saudade.






Naiana Carvalho



16 de março de 2011

Apenas palavras. Apenas?



“Escrever é fácil. Você começa com maiúscula e termina com ponto.
No meio coloca as ideias.”
Pablo Neruda


Tá bom, Neruda, mas a questão é: e como organizar tantas ideias?

Para se escrever é preciso esmero.
Tratar bem as palavras, fundamental. Qualquer deslize, ausência ou exagero, pode corromper todo o sentido a que se propunha.
Neste jogo, a ordem dos fatores pode alterar completamente o produto.

Dentro de mim, ideias. Mundo difuso.
Confuso.
Sempre é confuso enquanto não ganha corpo. No caso, enquanto a ideia não se torna palavra. Enquanto o pensamento não se verbaliza ou é transcrito em signos.

Sobre o que escrever? Acordo borbulhante de ideias, mas elas me fogem.
                                     – “Opa! Esta é boa, preciso apanhá-la!”


Hoje acordei com uma série de ideias pairando sobre a minha cabeça. Puxaram meu lençol, fizeram uma algazarra dentro de mim. Algumas, mais agitadas, desordeiramente me saiam do controle em sentenças mal estruturadas. Outras, tímidas, mas não menos valorosas, educadamente erguiam a mão à espera de serem notadas, num breve movimento, mas cega pela visão, acabei por não percebê-las, e fugiram.
Constato: é difícil trabalhar com tantas ideias, tão divergentes entre si, ao mesmo tempo. Ainda mais quando são estas de caráter tão livre... não respeitam ordem de chegada, tampouco filas ou senhas. Domá-las é um desafio. Estarei pronta?

Acho que por isso muitos fogem das ideias. Afinal, são desordeiras e quase nunca passivas. Rubem Alves, um de meus escritores preferidos, fala muito sobre a alegria de pensar, mas confesso que nem sempre pensar me alegra.
Instiga.
Isto sim.
Sempre!
Tenho outras teorias acerca dos “não pensantes”. Uma delas: a cegueira.
Esbarram, tropeçam nelas, a todo momento – afinal, estão por toda parte – têm até ninhos em seus ombros e cabeças, mas não as percebem, não lhes sentem o cheiro nem a presença.
Estão dormentes.
Ou quem sabe, encantados.
Melhor dizendo, estão desencantados.

Encantar-se. Tem nos faltado o encanto.
Encantar-se com o comum. Afinal, quem determinou ser algo comum ou não? Ser comum ou não depende de onde e em que contexto algo está.

É preciso limpar melhor nossos olhos.
É, talvez seja mesmo culpa da correria da vida. Acordamos tão cedo e já atrasados.
Então saímos por aí, completa ou parcialmente às cegas. É neste instante que tudo começa, ou, é exatamente neste ponto que tudo deixa de acontecer.



Naiana Carvalho


por Liniers - Macanudo

14 de março de 2011

Apenas grão

“Na praia, uma criança constrói um castelo de areia. Por um momento, contempla admirada a sua obra. Depois destrói tudo e constrói um outro castelo. Da mesma forma, o tempo permite que o globo terrestre realize seus experimentos.(...) Na Terra, a vida pulsa de forma desordenada, até que um belo dia nós somos modelados... com o mesmo e frágil material de nossos antepassados. O sopro do tempo nos perpassa, nos carrega e se incorpora a nós. Depois se desprende de nós e nos deixa cair. Somos arrebatados como num passe de mágica e depois novamente abandonados. Sempre há alguma coisa fermentada, à espera de tomar nosso lugar. Isso porque não temos um solo firme sob os nossos pés. Não temos sequer areia sob os pés. Nós somos a areia.”

Jostein Gaarder – “O dia do Curinga”


Pensar acerca de nossa efêmera existência para muitos é um tema no mínimo delicado.
Não. Eu não temo o tempo.
Sei que ele nada me pode roubar.
Assim como sei que ele não me pertence
                                                          – e nem eu a ele.
Ao tempo, entidade regente, não se aplica frágeis categorias.
Ele não é bom ou mau, apenas é
                                                          – era, ou será.

Confesso que hoje passei o dia a revirar livros em busca de um trecho de um poema de um dos homônimos de Fernando Pessoa que tratava de nossa brevidade e, como podem perceber por minhas palavras, apesar de todo esforço, o mesmo foi em vão. 
Pois bem, não o encontrei.
O poema fala de como o autor se sente aliviado em perceber-se apenas como “areia” – para remeter à Gaarder.
Numa realidade em que tudo o que se almeja é ser “único”,“a última bolacha do pacote”, penso que não passar de “areia” não seja algo muito atrativo.

Ah! 
Mas eu? 
Gosto de ser areia.

Tomar banho de chuva, abrigar semente, viajar sem rumo, sentir o sol, ser colhida pelas ondas, conhecer mistérios do fundo do mar.
Nas frestas, construções, castelos beira-mar, no ar.
Fazer ‘parte de’. Imperceptivelmente.
Ser apenas grão.

 Uma leveza verdadeiramente atraente.


Naiana Carvalho

12 de março de 2011

Poetizar



Amo a poesia fácil
            Aquela que nos desvenda sem devaneios
                                                                    Vai direto ao ponto!
Chega certeira na alma
             Sem frivolidades, sem necessidade de consulta etimológica
De mansinho...
... sem quase se fazer notar
                                    Faz um rebuliço gostoso
                                                         Transforma o coração sem doer
Por ser sincera...
                         ....pura...
                                      ... leve
Como toda boa poesia deve ser.

Por isto a amo.

                                                                     Com sutileza, pousa gentil
É agradável não apenas ao coração e à alma,
Mas aos olhos,  
                         ouvidos
                                       e paladar.

Carrega em si um desejo besta por uma vida apenas necessária
Sem firulas...
Sem encargos...
Apenas o necessário
Dando ao fundamental todo o seu real valor.

Amo-a por me fazer sempre lembrar que o mundo não precisa de minha ínfima presença para rodar
             E assim me tira os fardos
Dando-me ainda mais prazer em estar aqui.

Ah! Como eu amo a poesia.
Aquela que não precisa de temas,
                                                           regras,
                                                                           motivos.

Ela não nasce, pois, para que surja não se faz preciso esforço algum,
                                                                                         - dispensa pautas e escrivaninhas -
                  ou qualquer tempo de espera para maturar.
Ela apenas brota
Mina
É livre para ir aonde quiser
                                pois não se sabe ao certo de onde vem.

E assim,
               Livre e brincante
Faz de minha existência frágil
                                                      Amável e desejosa
       Enchendo-a de cores e sabores
       Suspiros e ardores.



Naiana Carvalho

9 de março de 2011

"Ouvindo estrelas"


                 A cada dia novas ideias. Maravilhosas sensações. Mundos novos. Mundos antigos redescobertos. A busca não pela satisfação, mas pelo desejo. Desejo este que gera em nós toda a força necessária para buscar o que se quer.

              O presente não existe. Vivemos entre passado e futuro. Conjecturas sobre a ideia "tempo". Devaneios, quem sabe, inerentes à raça humana, mas muitas vezes negados pelo papel desconcertante em que nos coloca ao dialogarmos acerca de tais pensamentos.

             Há um grande desbravador dentro de cada um de nós. Algo que busca e almeja o inalcançável. Tudo, pelo simples prazer de buscar e desejar. É algo que arde de forma tão sublime e inexplicável que muitas vezes move-nos até um ponto de impossível retrocesso. E valerá todo o esforço e empenho pelo inatingível apenas pelo gozo do sonho da irreal conquista? Bem… tudo me parece uma questão de valores… =)


De olhos e coração voltados para o que importa,
...



Naiana Carvalho


8 de março de 2011

Blog? O que é, afinal?

                                           Como e o que se escreve num blog?
               Faço um rascunho no word? 
                                                              Escrevo o que me vem à mente? 
                                                                                         Para mim ou para os outros?
                   Bem, creio que há várias respostas para isto. Trabalho, hobbie, terapia?


                  Particularmente já tentei ser "dona de um blog" por dezenas de vezes (tá, confesso, foram só seis) e em todas as tentativas não passei do primeiro post. 
O motivo? 
Sinceramente não sei ao certo. Já foram tantos logins e senhas... Talvez eu não tenha tido ainda uma verdadeira razão para "ter" um blog.
                   Considerando que a primeira postagem foi praticamente um teste, tendo em vista que utilizei um devaneio de seis anos atrás, será este o primeiro de tantos outros escritos que pretendo produzir e registrar neste humilde espaço. Isto, sem maiores pretensões. Ao menos por ora.
                   O que escreverei aqui? Sabe lá!


                  Acho que teremos mesmo que esperar pra ver.


Cautelosamente otimista e estranhamente confusa,




Naiana Carvalho



"Eu, passarinho"


                  
                  Não escondo minha admiração e inveja àqueles que lutam por grandes ideais e que batalham ferozmente em busca de sonhos. Particularmente tudo isto me é estranho. Sou pacata. Algo que nem sempre me agradou. Sinceramente amigos, a mim seria muito mais interessante ser como estes lutadores, com uma ânsia forte pela vida, mas não o sou. Não que não anseie pela vida e pelo seu gozo, mas o meu prazer é tranquilo e manso. Algo às vezes até incômodo. 
                   Desde cedo nos fizeram acreditar que ser feliz com o que se tem, que encontrar satisfação mesmo não sendo o número 1, eram condições de conformismo e mediocridade, e por muitas vezes, por tanto ouvir, me via assim. Medíocre. Média. Mas mesmo assim o prazer com o mínimo me era intrínseco. Nunca quis muito, e isto me deixava triste. Mas eu não queria muito. 
                         Como diria a Adélia Prado, não quero faca nem queijo, quero a fome
A fome que me é o vazio que quando preenchido traz todo o gozo existente e necessário. Soa meio triste tudo isso, eu sei. Soa triste até mesmo para mim. Invejo os passarinhos que podem se dar ao luxo de serem radiantes e cantarem alegremente apenas pela presença do sol. Ou melhor, por toda a maravilha do Sol. Não os questionam sobre suas canções, sobre o porquê de tanta felicidade, ou se tanta cantoria se faz mesmo necessária. Apenas são felizes e cantam sem precisarem de que atestem sua formosura ou beleza de seu canto. Não ligam. São leves. Como humana que ainda sou, se canto, logo se assustam e me questionam sobre que motivos não notórios me levam a levitar. Atribuem logo a novos amores ou a promoções salariais, como que encontrar alegrias dentro de si mesmo fosse algo inconcebível ou desculpa boba para não dizer o real motivo da satisfação por medo de que descubram algo, um segredo.
                     Gosto de ovo frito. Dormir de rede. Chuva. Abraços. Palavras. Silêncio. Viver. Amo! Mas nossa sociedade e nós mesmos, já contaminados com tal idéia, não podemos admitir tão pouco. Queremos mais! Merecemos mais! E não exigir isto é um erro! Em parte concordo sim com tudo isso, (ou talvez pense que concorde) mas definitivamente esta luta não é para mim. Como escrevi inicialmente, invejo aos lutadores. Mas eu?! Eu uso as palavras da Elis…"Eu quero uma casa no campo onde eu possa compor muitos rocks rurais, e tenha somente a certeza dos amigos do peito e nada mais… Eu quero a esperança de óculos e meu filho de cuca legal…Eu quero o silêncio das línguas cansadas…"
                     Muitos tentaram e outros tentarão me convencer do que pensam e acreditam sobre o viver, por isso quero deixar claro e registrado que aprecio como vivem, e que tentei viver da mesma forma, mas é algo difícil para mim. Pensamentos meus. Pensamentos seus. Por isso somos indivíduos. E como isso é belo! Acho mesmo que de tudo o mais, almejo mesmo é uma vida besta. Vida leve. Sair por aí sem rumo. Gravando dentro de mim cada momento especial. Cada formato de nuvem que parece me remeter à uma antiga existência da minha alma. Cada som familiar (mesmo nunca os tendo ouvido) que me faz viajar dentro de meus mundos. Respirar fundo cada segundo.
             Engraçado alguns dizerem que minhas palavras são antiquadas, velhas, indignas de minha idade. Minhas palavras, ao contrário do que deveriam ou do que se esperava que fosse, não são modernas. Não sou moderna. Sou criança e anciã. Gosto de sentar no chão e falar sobre coisas antigas. Gosto mesmo é de balançar. De ler quadrinhos e crônicas para me distrair. De ouvir um violão e porque não, pelas manhãs de domingo, umas boas modas de viola. Claro que às vezes uma boa guitarra mexe com meus sentidos e fantasias e aí desperto em mais mundo dentro de mim. Música que move a vida. Sons e sentimentos.
Mário Quintana dizia algo sobre a idade. De acordo com ele não só há duas idades, ou se está vivo ou morto. 

                                         Eu vivo!  
                                                      “Eu passarinho!”


2005
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