14 de março de 2011

Apenas grão

“Na praia, uma criança constrói um castelo de areia. Por um momento, contempla admirada a sua obra. Depois destrói tudo e constrói um outro castelo. Da mesma forma, o tempo permite que o globo terrestre realize seus experimentos.(...) Na Terra, a vida pulsa de forma desordenada, até que um belo dia nós somos modelados... com o mesmo e frágil material de nossos antepassados. O sopro do tempo nos perpassa, nos carrega e se incorpora a nós. Depois se desprende de nós e nos deixa cair. Somos arrebatados como num passe de mágica e depois novamente abandonados. Sempre há alguma coisa fermentada, à espera de tomar nosso lugar. Isso porque não temos um solo firme sob os nossos pés. Não temos sequer areia sob os pés. Nós somos a areia.”

Jostein Gaarder – “O dia do Curinga”


Pensar acerca de nossa efêmera existência para muitos é um tema no mínimo delicado.
Não. Eu não temo o tempo.
Sei que ele nada me pode roubar.
Assim como sei que ele não me pertence
                                                          – e nem eu a ele.
Ao tempo, entidade regente, não se aplica frágeis categorias.
Ele não é bom ou mau, apenas é
                                                          – era, ou será.

Confesso que hoje passei o dia a revirar livros em busca de um trecho de um poema de um dos homônimos de Fernando Pessoa que tratava de nossa brevidade e, como podem perceber por minhas palavras, apesar de todo esforço, o mesmo foi em vão. 
Pois bem, não o encontrei.
O poema fala de como o autor se sente aliviado em perceber-se apenas como “areia” – para remeter à Gaarder.
Numa realidade em que tudo o que se almeja é ser “único”,“a última bolacha do pacote”, penso que não passar de “areia” não seja algo muito atrativo.

Ah! 
Mas eu? 
Gosto de ser areia.

Tomar banho de chuva, abrigar semente, viajar sem rumo, sentir o sol, ser colhida pelas ondas, conhecer mistérios do fundo do mar.
Nas frestas, construções, castelos beira-mar, no ar.
Fazer ‘parte de’. Imperceptivelmente.
Ser apenas grão.

 Uma leveza verdadeiramente atraente.


Naiana Carvalho

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