29 de abril de 2011

Alice e sua reticência

Ilustração de Núria Aparicio



Parecia mesmo que seu peito iria explodir. Não. Aquilo não podia ser normal.  A angústia era tão grande e aos outros tão sem propósito... Alice não conseguia explicar a ninguém o que realmente sentia. 
Os conselhos, ao tentar falar-lhes sobre as sombras que lhe anuviavam a mente, eram sempre os mesmos. Conselhos que lhe sugeriam o seguir em frente e esforçar-se um pouco mais. Mal eles sabiam que não haviam mais forças. A sensação era a de que todos os recursos viam-se esgotados e a única saída eficiente era inacessível.
Quando se sentia assim, a única imagem de si que lhe via à mente era de um animal doméstico cruelmente abandonado em terras inóspitas. A vida não lhe parecia real. Nada era o que parecia ser. Fraude. Ela era uma fraude. A vida não devia ser aquilo. Não podia ser apenas aquilo. O que para os demais era corriqueiro, para Alice não fazia o menor sentido. A vida tinha que ser mais.
Em alguns momentos chegava até mesmo a imaginar-se especial, dotada de uma sensibilidade extraordinária, com uma capacidade de percepção além do normal. Em outros, via o quão ridículo era julgar-se superior por sujeitar-se ao que seriam “meras oscilações de humor”. Ah, os hormônios. Malditos sejam, não é mesmo?
Enquanto isso, Alice chorava calada. Afinal, qualquer estardalhaço a respeito de toda essa enxurrada de sensações que lhe invadiam poderia ser encarada como uma grave e urgente necessidade de interferência terapêutica, e isto era tudo o que ela não precisava: alguém para tentar mostrar-lhe soluções para um problema que na verdade encontrava-se muito mais na categoria de, ao seu ver, característica.
A idéia de ser como um pequeno passarinho de asas curtas lhe invadia.
Se fosse um pássaro, seria um pardal, certamente.
Ela sempre preferiu os pardais. Discretamente pousando sobre os fios de alta tensão, dificilmente notados, sem belos cantos e sem apreciadores dispostos a pagar por uma foto sua a adornar-lhe o ombro.
Alice certamente seria um pardal.
Haveriam outros como ela?
Sim. Quem sabe até milhares por aí. Mas isto não a deixava feliz, pelo contrario. O sofrimento que sentia em não conseguir expressar-se do modo como sua alma lhe exigia não era merecido por ninguém. A dor na alma pode ser lancinante e, mesmo nunca tendo quebrado um osso sequer, ela era capaz de jurar que o que sentia era mil vezes pior do que qualquer fratura exposta. O processo de cicatrização de feridas na alma não segue o mesmo padrão das estomias físicas. Alice sabia que não havia nenhum tipo de procedimento ou intervenção médica que aliviasse aquela falta de ar causada pelas ideias que não lhe deixavam dormir.
As obrigações sociais e a necessidade de responder às expectativas era algo que tirava Alice de seu eixo. Não, definitivamente ela não fazia parte dos que lutam no front de batalha.
Tinha suas próprias ideias e ideais. Não precisava que ninguém partilhasse deles consigo – ou pelo menos assim pensava ser – eram seus e isso lhe bastava. Mas a verdade é que ultimamente nem ela mesma sabia ao certo quais eram. 
E quanto mais parava para tentar entender tudo o que se passava em sua mente inquieta mais ridícula se sentia ao perceber que a cada ponto final que julgava pôr, dois outros pontos rapidamente surgiam, fazendo nascer mais uma das transgressoras reticências, que já se acumulavam dentro de si.
E entre tantas reticências... mantinha-se em angustiosa reticência.
...


Naiana Carvalho

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